“Por que você está tão obcecado por mim?”, perguntava Mariah Carey em “Obsessed”. O hit surgiu há dez anos como uma alfinetada em Eminem., Na época, a leitura que se fazia sobre a letra era específica: a cantora estava rebatendo declarações do rapper, que espalhava por aí que havia saído com ela — o que a diva pop sempre negou. Dez anos depois, em tempos de empoderamento e de movimentos contra o assédio como o #MeToo, é possível finalmente entender o que Mimi cantava lá atrás.
Figurino do stalker de Mariah Carey no clipe de “Obsessed” é parecido com as roupas de Eminem.
É o que aponta um artigo de Jeffrey Ingold publicado na revista britânica “i-D”., Esse reconhecimento chega em boa hora, depois de um retorno triunfal de Mariah Carey ao Royal Albert Hall, em Londres (onde ela não se apresentava desde 1994), em 26 de maio – um show sold out aclamado pela crítica do jornal “Guardian”.
Analisar a faixa, single do álbum “Memoirs of an Imperfect Angel”, apenas sob a ótica (machista) do “relacionamento” com Eminem bloqueou a mídia, à época, de observar o que a letra efetivamente explicitava. “É óbvio que você está irritado comigo. Finalmente encontrou uma garota que você não conseguiu impressionar., Se você fosse o último homem na Terra, ainda assim não conseguiria”, cantava Mariah.
Em “Bagpipes for Baghdad”, lançada em 2009, Eminem se refere à Mariah Carey como “puta”.
Na época em que “Obsessed” foi lançada, o comportamento de Eminem não foi alvo de reprovação mais incisiva. Muitos questionaram se a música seria uma resposta aos ataques do rapper em “Bagpipes for Baghdad” (na música, ele cita Nick Cannon, então marido de Mariah, nominalmente, antes de se referir à cantora como “puta”)., O discurso na faixa de Mariah foi colocado em segundo plano diante dos ataques opressores feitos pelo rapper, e tudo virou apenas belo material para as revistas de fofoca.
Conforme escreveu Jeffrey Ingold, não foi percebido o quão real e palpável a letra era para qualquer mulher, não só uma celebridade internacionalmente conhecida como Mariah. Ela não canta só pelo que ela vivia, mas já falava sobre algo que todas as mulheres vivenciam no dia a dia. Não é de se impressionar que, em certo momento da música, Mimi diga “all the ladies sing” (“todas as mulheres cantem”).,
Depois de “Obsessed” ser lançada, Eminem decidiu rebater com “The Warning”. A música, produzida por Dr. Dre, é reflexo claro do comportamento misógino. “O único motivo de eu falar de você, em primeiro lugar, foi por você ter negado que saiu comigo. Agora eu estou irritado”, diz o rapper. “Sua puta, cale a boca antes que eu divulgue nossas ligações”, diz ele, antes de se referir diretamente a Nick Cannon: “(…) Como se eu fosse brigar com você por uma piranha que tive que aturar por seis meses para só abrir as pernas para mim uma vez.,”
Como lembra o artigo da “i-D”, mesmo com a letra absurda de “The Warning”, o que boa parte das pessoas resumiu da história foi que “Mariah nunca deveria ter mexido no vespeiro de um dos maiores rappers do mundo”. O mesmo discurso repetido à exaustão por quem diminui ou tenta calar as vozes de mulheres que, no #MeToo ou em outros movimentos, tentam denunciar as diversas falhas, violações e abusos de uma estrutura social patriarcal opressora.,
A “Obsessed” de Mariah — constantemente ignorada como compositora — revelou, com ou sem intenção, um problema que ia para muito além das montanhas de Los Angeles. Uma música que não se mostrou à frente de seu tempo, mas extremamente atual. Seja em 2009 ou dez anos depois.
Com informações da “Vice”.
No clipe de “Obsessed”, Mariah satiriza o comportamento abusivo e obsessivo de Eminem em relação a ela.
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